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Professora Neide em destaque |
Como dizia o sábio Mario Quintana: “Não me recorte em fatias, ninguém
consegue abraçar um pedaço”. É isso mesmo. Ao tomar a palavra para falar um
pouco de mim mesma, considero não apenas ser um gesto de deitar no próprio divã,
mas um ato de reflexão e emoção, pois a nossa vida é um movimento de constante
e contínua transformação. Todos os momentos são singulares e particulares e
constituem a memória que sustenta cada tomada da palavra e cada gesto de ser. Assim,
relatar um pouco da trajetória de
minha vida e formação, falar de experiências, alegrias e desafios representam
apenas um gesto simbólico. Vamos falar de como nasceu uma professora, viveu e
vive professora, sempre buscando espaços para aprender, numa sensação de que
está sempre em débito, diante das angústias causadas pela falta de conhecimento
que fez parte de toda a sua minha.
A minha experiência em educação tem seu berço na educação pública
estadual, em meados da década de 1970, em uma cidadezinha no interior de Minas,
trabalhando com a cartilha “Caminho Suave”; “Os Três Porquinhos” e, na
sequência, em outras séries, convivendo com várias dificuldades e desafios,
sendo a falta do livro didático para os alunos e professor um dos principais
problemas enfrentados à época. A oportunidade de assumir uma sala de aula de
primeiro ano, com crianças de 6 anos de idade, surgiu antes da conclusão do
magistério porque havia falta de professores. Eu era ainda tão jovem quanto os
alunos, apenas 17 anos. Nossos sonhos e esperanças se misturavam com os sonhos
das crianças em fase de alfabetização. Era um exercício de ensinar-aprender e
aprender-ensinar. Ainda me lembro com saudade da minha primeira festa do dia do
professor: muitas flores do campo organizadas em jarras; pétalas de flores
espalhadas pelo chão; declamação de poesias e também muitos presentes, como:
perfume de alfazema, sabonetes, bibelôs de cerâmica/louça, tigelas, etc.
Apesar das inúmeras dificuldades por trabalhar e estudar, era munida por
um caminhão de sonhos, expectativas e esperanças. Afinal, para quem era filha
de pais semianalfabetos, frequentou sala de aula multisseriada na zona rural,
trabalhou em serviços do campo desde criança, andava mais de uma hora a pé para
chegar a uma escola, enfrentava as estradas desertas e os temporais, além do
funil do chamado “Exame de Admissão” para entrar no ginásio, tornar-se
professora no início da década de 1970 (1972), era uma grande conquista e o
sonho de muitas moças da época e dos seus pais. Era também o meu, motivado pela
imagem de uma professora que parecia uma sinhazinha da fazenda: todos os dias ela
passava pela estrada, em frente da nossa casa, linda e faceira, montada em uma
charrete puxada por dois cavalos imponentes comandados pelos filhos dos
empregados, se cobrindo do sol por uma sombrinha cheia de babadinhos. Eu ficava
esperando ela passar e a imitava brincando de professora.
Ao longo da minha carreira no ensino público, por questões familiares,
tivemos que mudar algumas vezes de cidade e, nessa situação, tive a
oportunidade de atuar em realidades diferentes, sempre no estado de Minas: Zona
da Mata; norte de Minas e sul de Minas. Fizemos o curso de graduação em
Pedagogia, Especialização em Supervisão Pedagógica, Orientação Educacional, Planejamento,
Administração e Inspeção Escolar. O curso superior me possibilitou logo atuar
na docência em cursos de magistério, no ensino privado e em curso superior,
desde o final da década de 1980.
Mãe de três filhos homens, hoje profissionais; vovó de 5 netinhos,
lindos e maravilhosos, desde 1994, resido na cidade de Pouso Alegre/MG, por
opção. Aqui, foi possível um novo rumo em minha trajetória profissional: atuei
por 10 anos em coordenação de sistema de ensino apostilado Anglo; veio o
ingresso no mestrado e na docência nos cursos noturnos da Univás (onde atuo até
o momento no mestrado em educação e em cursos de graduação, além da coordenação
do curso de especialização em gestão educacional). Em seguida, o grande sonho
do Doutorado em Educação, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Novos
desafios, agora, pela rodovia Fernão Dias, pela noite e madrugada.
Entretanto, o principal desafio veio mesmo de outra forma: um acidente
cirúrgico e quase óbito que, entre outras sequelas, levou à paralisação de uma
prega vocal, sinalizando a interrupção de uma carreira que ainda não havia
conquistado os sonhos planejados. Enquanto os filhos planejavam, juntamente com
o médico, esta interrupção de trabalho para a mãe, eu pensava no tempo
necessário para aprender libras e continuar. Não foi preciso aprender libras,
mas, sim, muita determinação, sem nunca perder a esperança. Com uma prega vocal
e um aparelho eletrônico, a trajetória continua, tudo isso foi apenas uma pedra
no meio do caminho. É como se a educação tivesse um tipo de magia, que encanta
e energiza movida por pessoas alimentadas por sonhos, expectativas e também
fragilidades. Talvez este seja o charme da escola: as pessoas e sem elas, o
espaço escolar é apenas um lugar deserto, silencioso e triste.